"A exposição individual Estranhamente Familiar foi desenvolvida durante o confinamento pandêmico enquanto, quem podia, estava dentro de casa. Decidi criar, então, uma casa e uma família fictícias, um site specific, por assim dizer, através de pinturas.
Para isso tomei, também como ponto de partida, as escalas domésticas do espaço expositivo, que por sua vez havia sido, de fato, uma residência da vila operária Travessa Dona Paula, quase um século atrás. Entre as muitas pinturas de retratos e figurações de objetos ornamentais desta casa estava um vaso com flores.
Com o fim da exposição e do período da pandemia continuei, quase que naturalmente, uma repetição de vasos de flores. Todos puderam sair de suas casas e os espaços externos e jardins voltaram a fazer parte das nossas vidas. A partir desta repetição, eu percebi que o meu interesse encontrava-se, não na figuração do objeto, mas na potência dos gestos pictóricos que as arquiteturas e anatomias de uma planta podem dar para a pintura — para além da quase infinita paleta de cores.
Então comecei a explorar este caminho, de forma quase incessante, dando corpo a, aproximadamente, setenta pinturas feitas do mês de março de 2022 até o início do ano de 2023. Nesse processo fui explodindo, esgarçando, expandindo, por assim dizer, a cada pintura e cada vez mais, os gestos e as proporções das pinceladas e das telas, alcançando um conjunto de pinturas que sugerem um possível flerte com os gêneros Paisagem e Abstrato, o que chamo de Paisagens Florais.
Não deixa de ser curioso que, olhando para a minha produção predominante figurativa, seja possível perceber que trata-se de um movimento novo. Provavelmente também consequência de uma tentativa de explorar mais profundamente as questões pictóricas, e não do reconhecimento dos objetos ou sujeitos retratados, suas semelhanças com outros sujeitos e/ou as suas possíveis narrativas.
Por fim, o aparentemente banal tema das flores, ainda que muito abordado na História da Arte até os dias atuais, de diversas maneiras, é para mim uma forma de 'pintar retrato sem pintar retrato'. O fácil e rápido reconhecimento de uma flor, ou algo como uma flor na superfície da tela, proporciona mais oportunidades para que eu me aprofunde nas outras questões possíveis de se encontrar numa pintura, como o gesto, a fatura pictórica, a identidade na forma de se pintar, as proporções escolhidas e a paleta de cores — todas e cada uma, características caras ao fazer pictórico e, particularmente, à minha pesquisa."